SOUSA, Neurivan. Minha estampa é da cor do tempo. Guaratinguetá,
SP: Penalux, 2017.
“Ipês desflorados
A escassez de pétalas
Silencia até o vento.”
(p.18)
Azuis, brancas, amarelas, vermelhas,
cinzas. A cada cor, um conjunto de poemas para estampar as páginas tingidas
pela poesia de Neurivan Sousa. A intangível relação com o tempo, o ofício do
poeta, a intensidade do amor em suas mais diversas formas, o ser humano em
descompasso com a natureza, a violência, a corrupção, a descrença e a fé. Tudo
o quanto cabe no poema, morada de um fragmento temporal, está contido nos
versos francos de Minha estampa é da cor
do tempo (2017).
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Disponível na Livraria AMEI |
Dividido em cinco blocos de poemas,
cada um atribuído a uma coloração de estampa, o livro promove uma travessia
inusual pelas percepções que vamos deixando às margens da vida, enquanto o tempo as desbota nos soprando para longe.
Em Estampas Azuis, primeiro bloco de 14 poemas, o autor se alterna
entre a melancolia, o silêncio, a culpa, a saudade, a ternura, a esperança e o
frescor da infância. Como reflete em “Mea-culpa”:
“[...]
Sinto-me
celeiro vazio
Depois de
desperdiçar
A colheita lá
fora
Nos talos dos
momentos.”
(p.14)
O ofício do poeta e sua relação com
a vida está no bloco seguinte, de Estampas
Brancas, que entre mais 13 poemas, nos traz os versos de “Máscara”:
“Desde que
narciso
Baixou nos
homens
Dei para me
esconder
Atrás dos
versos.”
(p.33)
Na sequência, os 16 poemas de Estampas Amarelas se desdobram entre os
insondáveis mistérios do amor que nos atravessam de saudade, cuidado, desalento
e sacrifício. Destaque para “Ben” e “Porta-retratos”:
BEN
“Fixo-me no
sono do meu cão.
Com o que
será que ele sonha
Enquanto
dorme com as patas cruzadas
Sob o focinho
úmido de buscas?
Sua feição
terna a lembrar-me
O meu filho
Léo na incubadora
Anjo sem asas
deitado em lã
Ouvindo a
vida dizer:
—Vem!
[...]”
(p.48)
PORTA-RETRATOS
“Teus traços
Teus gestos
Teus passos
O silêncio
Das tuas
pálpebras
[...]
Tudo de ti
Veio comigo
Só tu ficaste
À distância
De um sonho.”
(p.56)
No sugestivo Estampas Vermelhas, 14 poemas sangram sob a corrupção, a violência,
os maus-tratos ao planeta e a estupidez humana. “Tiro ao alvo” dá conta do
problema social que o armamento envolve, sobretudo em países violentos como o
Brasil:
“[...]
A bala
maldita
Sequer medita
Nos sonhos
Que
interrompe
Na véspera
De um
aniversário
Nos órfãos
E nas viúvas
Que para
sempre
Ficarão
presos
No negror da
fila
De um
necrotério
[...]”
(p. 66-67)
Arrematando o livro, as 12 poesias de
Estampas Cinzas chegam como memórias
revisitadas, que ganham cor a medida que o poeta as traz à tona em versos.
Gosto especialmente de “Abraço derradeiro”:
“Meu avô
antes de desaguar
Me chamou ao
seu leito
E balbuciou:
—
Sê mar
Para não ter
margens
Só fundo
E fôlego de
deus!
Agarrei
aquelas palavras
Como sendo a
sua bênção.”
Por Talita Guimarães