sexta-feira, 21 de agosto de 2020

AMEI LER EM AGOSTO: Os Tambores de São Luís, de Josué Montello


Ricardo Miranda Filho


Fazer literatura muitas vezes não é apenas transcrever sentimentos, quiçá a própria alma, em palavras, mas também transformar uma realidade de um povo, de uma cultura em uma obra de tamanha importância para estudos de várias vertentes literárias e sócio-históricas. Antônio Cândido já asseverara que há uma relação entre o livro e seu condicionamento social, e nela há um ponto crucial para se compreender o enredo construído. Assim nota-se que, quando se constrói uma história, existem sempre fatores externos - como o ambiente, costumes, traços grupais, ideias - que começam a ajudar a formar o valor estético da criação literária, independentemente da época. É algo atemporal e cada vez mais presente na literatura contemporânea.

A literatura é uma expressão da nacionalidade e da cultura de quem a faz, haja vista o escritor coloca nas linhas suas impressões e expressões sobre a cidade, os valores e ideologias presentes em sua época e meio em que vive. A forma como elementos sociais são colocados em um romance nos permite conhecer mais a nossa história, cultura e sociedade, principalmente quando elencados e descritos com excelência e fidelidade. Assim o fez Josué Montello em Os Tambores de São Luís, cuja história do período escravocrata até o começo da República Brasileira, descrevendo a história de Damião que sai de Turiaçu e se muda para São Luís com o objetivo de se tornar padre. A partir dessa mudança, começa-se a perceber como a cidade é descrita a partir de um olhar subjetivo de Damião sobre a cidade até um olhar mais descrente e severo sobre as pessoas e os valores, que nutriam com mais severidade as relações entre escravo e senhor. Conhecemos aí uma personagem histórica para o Maranhão: Ana Jansen, senhora de escravos famosa por sua crueldade com os escravos, fazia questão de conhecer Damião somente por ele ter conhecimento sobre latim e falar muito bem a língua.

Walter Benjamin afirmou uma vez: "quem pretende se aproximar do próprio passado deve agir como um homem que escava". Assim fez Josué Montello ao elaborar um romance que descreve a identidade do negro, dando-lhe voz, e da cidade de São Luís, descrevendo suas características culturais, arquitetônicas e patrimoniais que nos remetem aos belos casarões que ainda sobrevivem ao tempo, além de citar nomes de escritores importantes para a nossa literatura, como Gonçalves Dias, Sotero dos Reis, Nascimento Morais.


“Seguindo pelo lado da sombra, para tornar mais agradável a caminhada, dirigiu-se ao Largo do Carmo, com a intenção de falar ao professor Sotero dos Reis, no Liceu Maranhense, e que, dias antes, lhe tinha confiado as provas de seus Comentários de César. Como não o encontrou, seguiu até o Largo do Palácio, para ver se o Ramos de Almeida já havia recebido a edição alemã dos Cantos, de Gonçalves Dias, anunciada no último Almanaque  do Belarmino de Matos.” (p.374-375)

 

“E o certo é que, ao cabo de poucos meses, as obras estavam concluídas, com  cano de alvenaria, as máquinas e os tubos de ferro. Seis chafarizes tinham vindo da Inglaterra para alguns pontos da cidade: a Praça da Alegria, o Largo de Santo Antônio, a Praça do Comércio, o Largo do Carmo, o Largo do Quartel e a Praça do Mercado.” (p.379)

 

Os sons de Os Tambores de São Luís ainda ecoam pela cidade como modo de representação de uma história e de uma cultura que merecem ser lembradas e vividas pela nossa sociedade. A escrita de Josué Montello nesse romance nos remete a uma composição realista e de cunho épico que nos leva a entender cada vez mais a sociedade brasileira e, principalmente, da história do negro durante o processo de construção de sua identidade em um país que estava se moldando aos poucos. Ler Os Tambores de São Luís não é somente ter uma literatura em mãos, mas também compreender cada vez mais a história de nosso povo.

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