terça-feira, 25 de junho de 2019

AMEI LER em Junho - As mulheres em "Atalhos", de Maria Thereza de A. Neves


Logo que adquiri a obra, não hesitei em iniciar a leitura. Contos são muito bem-vindos nas correrias do dia-a-dia. O que eu não esperava era encontrar uma reflexão profunda e necessária sobre esse dia-a-dia corrido. Quanto ignoramos? Quantos detalhes deixamos de observar? O que escolhemos ignorar? Maria Thereza de A. Neves desnuda para nós começos de respostas para essas perguntas.

"Atalhos" traz, antes de uma coletânea de contos realistas, histórias de mulheres maranhenses. A autora explora os perfis dessas mulheres que são facilmente identificáveis em nossas mães, irmãs, esposas, amigas... São mulheres que sofrem, mas que lutam. Que suportam a angústia da perda do filho, da dignidade, do sucesso, do amor - de cabeça erguida. Nem sempre mulheres jovens, mulheres na meia-idade e idosas retratadas com a doçura da juventude que insistem em cultivar na memória. A memória é um pano de fundo muito explorado pela autora, que nos mostra os anos finais da vida, o final de uma jornada que não pode ser esquecida, afinal, somos nossas histórias. 

Cada conto traz uma óptica do realismo cru de Maria Thereza, mas gostaria de destacar aqui os que falaram mais alto sobre as batalhas dessas mulheres que encontramos na obra.

Conhecemos as mulheres de meia-idade que tanto remanescem quanto precisam enfrentar o que ainda está por vir, encontradas nos contos "Parabéns, Deputado!", "Papai Noel" e "Linhas Paralelas". Em "Parabéns, Deputado!", acompanhamos a trajetória de Naná, menina simples, indiazinha do interior, que vem para a cidade com o deslumbre da capital, mas se vê presa em uma armadilha sem escape e descobre da pior maneira possível o que há de pior nas pessoas. Em "Papai Noel", encontramos Adélia, uma mãe às voltas com um pedido inocente da filha que só quer uma boneca de porcelana de Natal, mas precisa escolher entre um golpe de coragem e as necessidades básicas da família. Já em "Linhas Paralelas", acompanhamos a visão confusa de Alexandre sobre Renata, que via a vida com poesia, mas seu poema era sublime demais para a vida cruel de Alexandre. 

A mulher no auge da maturidade é retratada em contos como "Herança de um Deus", "Querida Vovó", "Cleópatra" e "Voando com Ícaro". Benedita é uma mãe orgulhosa de seu filho, Zé Ozano, em "Herança de um Deus", ilustrando a glória da mãe que só quer o melhor para seus filhos, que tem como maior desejo ver o filho "doutor". Já em "Querida Vovó", é Dona Léa, uma avozinha orgulhosa de seus feitos, quem paga pelos erros do neto. No fim da vida, temos dois contos bem ilustrativos de idosos em situação asilar e dos últimos momentos de vida. "Cleópatra" retrata Maria Lúcia, que após flagrar a traição do grande amor de sua vida, sofre um trauma severo e passa a se identificar apenas como Cleópatra - sua verdadeira identidade apagada pelo tempo para ela e para os que a cercam. "Voando com Ìcaro" nos mostra Tia Lulu, uma simpática senhora que vive seus últimos dias no hospital e usa a força de sua imaginação para criar os delírios que a embalam até o suspiro final. 

Ler Maria Thereza é escapar da realidade imergindo na verdadeira face dela, seja boa ou ruim. Afinal, até na realidade há certo lirismo, se soubermos observar. 

Por Lorena Silva.

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