quinta-feira, 29 de outubro de 2020

AMEI LER EM OUTUBRO: "Zona de Desconforto", de Lindevânia Martins

 

Obra disponível na Livraria AMEI do São Luís Shopping ou no site ameilivraria.com


Por Lorena Silva

Após a leitura da maior parte das obras de Lindevania Martins, ficou claro para nós do Clube AMEI LER que o compromisso da autora com a literatura é também um compromisso com o social, o político, o humano. Esse compromisso se reafirma na obra "Zona de Desconforto" (Benfazeja, 2018, 120 páginas) ao longo dos oito contos que compõem o volume.

O conto que dá titulo à coletânea nos apresenta a Marina, uma criança que passa por uma situação bastante conhecida do nosso contexto social: é a menina que deixa sua família em uma cidade interiorana e vai trabalhar nas tarefas domésticas de uma casa de família mais abastada, tendo sua infância e identidade apagadas. Neste conto, não por muito tempo.

 
Em "Tudo Vermelho", vemos os truques e voltas que o destino dá apresentando um casal separado pela criminalidade e violência, e reunido justamente através disso. Com uma discussão muito pertinente sobre a mulher em um relacionamento abusivo e uma reviravolta surpreendente, o conto entrega ação e suspense em poucas páginas.

"Querida Mamãe" explora novamente uma protagonista infantil, uma criança que precisa fazer uma redação sobre alguém de sua família, e se vê sem alternativa a não ser escrever sobre a mãe. Mas como falar da mãe sem denunciar o desarranjo familiar que a menina vive? Certamente desafiador, e ainda mais para uma criança a quem foi ensinada que mentir é feio.

"O Número Perfeito" narra o envolvimento entre três amigos, Otávio, Hugo e Mariana, formando um triângulo amoroso não tão perfeito assim. Intriga, inveja e um sentimento de vingança levam o narrador Otávio a reproduzir padrões sociais que o enchem de amargura e arrependimento.
 

Destaco ainda "Virulência", "A Parede de Vidro" e "Retrato de Família" como meus contos preferidos da coletânea pela profundidade psicológica das protagonistas de cada conto. "Virulência" retrata a mulher que assume uma postura dura e indiferente diante da vida e procuramos entender os caminhos que a levaram a assumir tal postura. "A Parede Vidro" complementa essa perspectiva de uma mulher marcada, agora sob o ponto de vista de uma prostituta. Já em "Retrato de Família", temos a figura de uma mulher que, vinda de uma família desestruturada, abusiva, violenta, toma como sua missão não reproduzir os mesmos padrões que marcaram sua história. No entanto, ela vai descobrir que há muito mais envolvido do que apenas seu enorme desejo e empenho em fazê-lo.
 
O último conto, "Flagrante" encerra a coletânea com a história de um marido que descobre a traição da esposa com um amigo, expondo uma demonstração de humor da autora no maior estilo Nelson Rodrigues, mas que deixa um gosto amargo quando compreendemos que situações como essa são até bastante comuns.

Portanto, a leitura de "Zona de Desconforto" faz jus ao título ao agregar narrativas que estão longe de nos oferecer conforto, de fato: oferecem inquietação, revolta, reflexão. É incontestável a habilidade de Lindevania no conto, entregando histórias breves, mas que marcam quem as lê. A brevidade de suas palavras somente expõe o quanto são necessárias.

E a autora estará com o Clube AMEI LER nesta sexta-feira, 30, às 18h, para divulgar e discutir sua obra, carreira, literatura e muito mais. Vamos?



quinta-feira, 22 de outubro de 2020

AMEI LER EM OUTUBRO: "Longe de Mim", de Lindevania Martins

Obra disponível na Livraria AMEI (São Luís Shopping) e no site ameilivraria.com


Por Lorena Silva

Em um contexto social e político como o brasileiro, obras literárias que tratem de temáticas sociais são uma tônica, e isto está longe de ser uma recorrência tediosa ou lugar-comum. A literatura nasce da realidade, e cria através dela, produzindo não apenas entretenimento, mas inspirando mudanças, reflexões, ações. A cada olhar, surge uma nova inquietação, uma nova faceta que deixávamos de perceber, e essa atenção aos detalhes é o que faz da experiência de leitura um ato transformador.

O conto "Longe de Mim" (Sangre Editorial, 2019) da autora maranhense Lindevania Martins explora algumas dessas temáticas: abuso infantil, violência contra a mulher e questões de gênero. Este conto traz em si o peso e a força das mazelas sociais. O que "Longe de Mim" tem de curto, tem de pungente. 


Conhecemos Josi, uma criança de dez anos, que é retrato de uma infância entrecortada pelos diversos padrastos ou "tios" que já teve, relacionamentos de sua mãe, Rosana, que foi mãe muito cedo. Josi tem muito de qualquer menina de sua idade (imaginativa, criativa, doce), mas também tem características muito específicas, moldadas pelo ambiente familiar fragmentado. Ela parece, muitas vezes, ter ainda mais maturidade que a própria mãe, e tem uma visão de mundo bastante concreta. 

Josi narra a chegada de um novo "tio", chamado Fernando, que transforma sua vida e de sua mãe em um inferno particular: é alcóolatra e violento. Josi tenta o máximo que pode ficar longe do alcance de suas mãos e luta para que Rosana perceba que ela deve fazer o mesmo, contudo, esta enfrenta obstáculos por ter homens em sua vida como provedores que impedem Rosana e Josi de passar fome, mas por um preço muito alto.

A história dessa criança não é diferente de muitas notícias de jornal. A visão que a autora nos apresenta de uma protagonista tão jovem explicita, na crueza e dureza de seu discurso, o quanto uma situação de violência e subjugação constantes fazem marcas indeléveis à personalidade de uma mulher em formação. 


A escrita de Lindevania Martins em "Longe de Mim" nos surpreende em poucas páginas, demonstrando uma concisão que demonstra a intimidade da autora com o conto. As palavras são selecionadas com precisão para entregar uma narrativa curta, mas que permanece com o leitor por muito tempo depois de lê-la. 

Essa marca está sempre presente nas narrativas de Lindevania. Fico curiosa para saber quais relações se estabelecem entre essas visões tão reais de várias mulheres retatratadas em contos e poemas da contista primeiramente por ser mulher, e depois com sua prática profissional como defensora pública. Há uma militância em sua escrita, não é apenas entretenimento. Lindevania está exclamando com lirismo que nossas crianças devem ser protegidas, não deixadas à revelia; nossas mulheres são, acima de tudo, seres humanos, e estão sujeitas a atos ilícitos para defender a si e aos seus. 

Vamos saber mais conversando com a própria autora no dia 30 de Outubro, às 18h, no nosso perfil do instagram @clubeameiler. Siga para acompanhar nossa live e interagir com Lindevania Martins. Aguardamos todes lá!


sexta-feira, 16 de outubro de 2020

AMEI LER EM OUTUBRO: Anônimos: invenções de Amor, Morte e Quase-Morte, de Lindevania Martins

Resenha escrita por Ricardo Miranda Filho


A literatura contemporânea vem apresentando diversos exemplos de narrativas bem construídas de modo a exercer um reflexo fiel da realidade por meio de uma literariedade que deveras é sublime e dá prazer de ser lido e relido inúmeras vezes. Quando os elementos da literários são postos de maneira concatenadas e exercem uma linearidade, criando uma estética fenomenal, a obra como um todo faz permanecer os olhos atentos do leitor.

Assim fez a escritora maranhense Lindevania Martins ao escrever Anônimos: Invenções de Amor, Morte e Quase-Morte,  livro de contos publicado em 2003 e logo depois vencedor do XXVII Concurso Literário e Artístico Cidade de São Luís, na categoria contos. O livro apresenta 16 contos com temáticas variadas, embora todos contenham uma narrativa densa - apesar de boa leitura -, com personagens bem delineados e com uma trama que faz o leitor devorar o livro em poucas horas.

Com uma narrativa bem-feita que faz lembrar a sagacidade de Nelson Rodrigues, Lindevania Martins soube perfeitamente elaborar sua personalidade na escrita de forma a contribuir com a literatura maranhense. Os relatos pessoais, emocionais e críticos se transformaram em contos autênticos e construídos com simplicidade, mas com um desfecho cheio de tensão, fazendo o leitor querer mais.

"Nicolai, que nunca pretendeu céus ou infernos, sabe que não é inocente, que não merece perdão. Mas não dará a outra face. Quer corromper, tornar a todos perversos como ele. Sabe que não é isso a felicidade, mas esse nunca foi o seu caminho. Compreende que sua glória reside justamente no oposto, no trabalho silencioso e paciente de destruir outros seres, de aniquila-los moral ou espiritualmente para ficar menos só na própria miséria. Nicolai precisa de companhia."

Este, de fato, é um livro que merecer ser lido pelo alto teor de seu valor literário por ter sido escrito com uma inteligência impecável, o que demonstra os motivos se apreciar uma boa literatura.