sexta-feira, 27 de setembro de 2019

AMEI LER em Setembro - "Minha estampa é da cor do tempo" Neurivan Sousa


SOUSA, Neurivan. Minha estampa é da cor do tempo. Guaratinguetá, SP: Penalux, 2017.

“Ipês desflorados
A escassez de pétalas
Silencia até o vento.”
(p.18)

Azuis, brancas, amarelas, vermelhas, cinzas. A cada cor, um conjunto de poemas para estampar as páginas tingidas pela poesia de Neurivan Sousa. A intangível relação com o tempo, o ofício do poeta, a intensidade do amor em suas mais diversas formas, o ser humano em descompasso com a natureza, a violência, a corrupção, a descrença e a fé. Tudo o quanto cabe no poema, morada de um fragmento temporal, está contido nos versos francos de Minha estampa é da cor do tempo (2017).

Disponível na Livraria AMEI
Dividido em cinco blocos de poemas, cada um atribuído a uma coloração de estampa, o livro promove uma travessia inusual pelas percepções que vamos deixando às margens da vida, enquanto o tempo as desbota nos soprando para longe.

Em Estampas Azuis, primeiro bloco de 14 poemas, o autor se alterna entre a melancolia, o silêncio, a culpa, a saudade, a ternura, a esperança e o frescor da infância. Como reflete em “Mea-culpa”:
“[...]
Sinto-me celeiro vazio
Depois de desperdiçar
A colheita lá fora
Nos talos dos momentos.”
(p.14)

O ofício do poeta e sua relação com a vida está no bloco seguinte, de Estampas Brancas, que entre mais 13 poemas, nos traz os versos de “Máscara”:

“Desde que narciso
Baixou nos homens
Dei para me esconder
Atrás dos versos.”
(p.33)

Na sequência, os 16 poemas de Estampas Amarelas se desdobram entre os insondáveis mistérios do amor que nos atravessam de saudade, cuidado, desalento e sacrifício. Destaque para “Ben” e “Porta-retratos”:

BEN
“Fixo-me no sono do meu cão.
Com o que será que ele sonha
Enquanto dorme com as patas cruzadas
Sob o focinho úmido de buscas?

Sua feição terna a lembrar-me
O meu filho Léo na incubadora
Anjo sem asas deitado em lã
Ouvindo a vida dizer:
—Vem!
[...]”
(p.48)

PORTA-RETRATOS
“Teus traços
Teus gestos
Teus passos
O silêncio
Das tuas pálpebras
[...]
Tudo de ti
Veio comigo
Só tu ficaste
À distância
De um sonho.”
(p.56)

No sugestivo Estampas Vermelhas, 14 poemas sangram sob a corrupção, a violência, os maus-tratos ao planeta e a estupidez humana. “Tiro ao alvo” dá conta do problema social que o armamento envolve, sobretudo em países violentos como o Brasil:

“[...]
A bala maldita
Sequer medita
Nos sonhos
Que interrompe
Na véspera
De um aniversário

Nos órfãos
E nas viúvas
Que para sempre
Ficarão presos
No negror da fila
De um necrotério
[...]”
(p. 66-67)



Arrematando o livro, as 12 poesias de Estampas Cinzas chegam como memórias revisitadas, que ganham cor a medida que o poeta as traz à tona em versos. Gosto especialmente de “Abraço derradeiro”:

“Meu avô antes de desaguar
Me chamou ao seu leito
E balbuciou:

Sê mar
Para não ter margens
Só fundo
E fôlego de deus!

Agarrei aquelas palavras
Como sendo a sua bênção.”

Por Talita Guimarães

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